um pássaro azul alugou um quarto no meu peito
eu disse que essa não era a melhor das regiões, que o aluguel estava alto e a infra-estrutura não era muito boa.
“tem áreas mais nobres”- fui sincera
“mas aqui pelo menos não passo frio, e ainda pego a via respiratória e caio direto no trabalho”
o pássaro azul trabalhava no pulmão.
era seu único meio de sobrevivência.
eu disse pra ele que agente não precisa de ar pra viver.
ele riu alto.
“como se sobrevive sem ar? preciso de ar pra tudo.”
então todo dia ele pegava a via respiratória, engarrafada com tantos glóbulos vermelhos e brancos.
das seis da manhã às oito da noite ele se dedicava ao pulmão.
mas o pulmão não podia parar.
afinal, tudo dependia do pulmão, fígado, intestino, braços, olhos, dedos.
mas um dia o pulmão parou.
o pássaro azul chegou às oito e meia e as portas estavam fechadas.
sem saber o que fazer ele voltou pro peito.
“como vou sobreviver?
onde vou morar e colocar minhas coisas?”
despejado, o pássaro azul e todas suas coisas que ele carregava em malas.
caminhou das raízes dos cabelos aos dedos dos pés, mas assim como o peito, estavam todos fechados.
até que um dia o pássaro azul adormeceu, e com medo de ser roubado, colocou todas suas malas e suas coisas à sua direita, à sua esquerda, à frente e encima.
morreu sufocado por tudo aquilo que carregava.
mas mesmo sem ar acordou.
“não entendo. sempre pensei que não desse pra sobreviver sem ar”
mas o que o pássaro azul não prestou atenção era no que eu havia falado pra ele.
não dá pra sobreviver sem ar.
mas viver dá.
eu respondi
“pássaro azul, ar não é pra respirar, é pra planar”
e juntos planamos, até o azul do pássaro azul se fundir com o azul do céu.