absolvição

Padrão

toda vez que escrevo um poema, penso que é o último
ele vem, ele vai
mas ele volta
para a minha salvação
do tédio e da mediocridade

eu te absolvo
falou o deus da vaidade
fazendo uma cruz no ar com os braços erguidos

já o deus da arte
olhou 
com riso irônico,
apagou as luzes
e abriu a jaula

“gato mia”
grrr
grrrrrrau
au

ai

meu coração de chão

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meu coração de leão diz
miau

como assim,
miau?

quando ele abriu a boca
esse meu coração
se revelou outro tipo de felino

um gatinho preto
de olhos vibrantes

ele não é muito de papo,
mas quando tá muito contente
manda um
miau
a troco de leite quente

resolvi trocar
nada de leite
dei arroz e feijão
para aplacar
sua fome de leão

que mesmo depois
de muito feijão
só brandou
miau

resolvi me vestir
com brilhantes em forma de macacão
um chapéu coco
e um chicote na mão

peguei uma cadeira
e coloquei no chão

com o chicote fiz um gesto
avante
sobe

meu felino preto
que mora no peito

virou as costas
seu rabo me deu um adeus sinuoso
ardiloso deixou a marca das patinhas na terra
e me olhou

ele disse não
manhoso
impaciente
me explicou

quero ficar na terra do chão, unido
todos somos unidos pelo chão.

o gato preto manhoso
misterioso
mora no meu peito
fica sem jeito

eu não quero ser leão
quero ficar no chão
na terra
eu sou uma fera

miau
brandou

amar a onda

Padrão

para amar
tem que amar a onda

como a maré o amor recebe ordens
miticamente
misticamente
mas não se preocupe meu bem,
ele não mente

se encheia
se amua
é a lua

a imprevisibilidade
é a sua única constância

a maré
amaré
amar é
amar é a maré.

é
o tempo como um rio
que caminha para o mar
imensidão de amor que

despenca no eterno do horizonte

é
também regido
miticamente
misticamente
é vertido

para o centro
como metal para o imã
o calor da terra clama
para ser refrescado

me chama,
que perto de muita água
tudo é feliz

meus cavalos selvagens

Padrão

Hoje é dia
não, não é de romaria

Hoje é dia
que vou abrir a porta do estábulo

Vai sai correndo
Vento

Vai soprar
Quando passar

São os meus cavalos
Tanto tempo guardados

É hoje

Sem jóquei
Sem guia
Sem romaria

Era tudo o que eu queria.

Abri a porta de madeira pesada
Me afastei
E deixei passar

Cabelos foram na direção
Só se via vento só se via ar
Só se via

Eles a voltar

É que cavalo perdido
Volta sempre
Para o lar

Eu achando que meus cavalos selvagens
Não seriam adestrados
Coitados.

O hábito faz o monge
Só não faz mudança
Nem ao longe.